Sábado, 21 de Janeiro de 2006

Na base desta decisão de Clara Ferreira Alves está um cansaço acumulado, devido «à irracionalidade burocrática do modelo administrativo da Casa», bem como a necessidade de ter tempo para se dedicar à escrita.
Quando entrou para a direcção da Casa Fernando Pessoa, o principal objectivo de Clara Ferreira Alves era transformá-la numa fundação, objectivo esse que parecia poder tornar-se numa realidade a curto prazo, a julgar pelas palavras de Santana Lopes em 2003, por ocasião do 10ª aniversário da instituição, que transformou publicamente essa intenção numa promessa.
Em princípio, a Câmara de Lisboa seria o principal fundador de uma fundação que combinaria capitais públicos e privados.O certo é que decorreram mais de dois anos e tudo se mantém na mesma por uma simples razão: não foi possível captar investidores privados.
A jornalista e escritora revela mesmo que em 2005 não teve dinheiro para fazer praticamente nada. Ou seja houve desinvestimento por parte da Câmara naquela instituição.
O novo director da casa Fernando Pessoa, Francisco José Viegas, quer o equipamento mais visível na cidade, para públicos distintos, com muitos estudantes, e ponto de encontro para poetas e escritores, portugueses e estrangeiros.
Francisco José Veigas mostra-se entusiasmado com o projecto: o responsável, que deve entrar em funções no dia 1 de Fevereiro, quer que a Casa Fernando Pessoa seja "mais aberta", com "ateliers para os jovens das escolas de Lisboa", e local de encontro "para os amantes da poesia e da literatura". Um projecto, disse, que também passe por convidar autores estrangeiros "para escreverem sobre Lisboa".
Quinta-feira, 5 de Janeiro de 2006
Os crepúsculos nas cidades antigas, com tradições desconhecidas escritas nas pedras negras dos edifícios pesados; as antemanhãs trémulas nas campinas alagadas, pantanosas, húmidas como o ar antes do sol; as vielas, onde tudo é possível, as arcas pesadas nas salas vetuscas; o poço ao fundo da quinta ao luar; a carta datada dos primeiros amores da nossa avó que não conhecemos; o mofo dos quartos onde se arrecado o passado; a espingarda que ninguém hoje sabe usar; a febre nas tardes quentes à janela; ninguém na estrada; o sono com sobressaltos; a moléstia que alastra pelas vinhas; sinos; a mágoa claustral de viver...Hora de bênçãos tuas mãos subtis...A carícia nunca vem, a pedra do anel sangra no quase-escuro... Festas de igreja sem crença na alma: a beleza material dos santos toscos e feios, paixões românticas na ideia de tê-las, a maresia, à noite entrada, nos cais da cidade humedecida pelo arrefecer...
Magras, tuas mãos alam-se sobre quem a vida sequestra. Longos corredores, e as frestas, janelas fechadas sempre abertas, o frio no chão como as campas, a saudade de amar como uma viagem por fazer às terras incompletas... Nomes de rainhas antigas... Vitrais onde pintaram condes fortes... A luz matutina vagamente espalhada, como um incenso frio pelo ar da igreja concentrado no escuro do chão impenetrável...As mãos secas uma contra a outra.
Os escrúpulos do monge que, no livro antiquíssimo encontra, nos algarismos absurdos, ensinamentos dos magos, e nas estampas decorativas os passos da Iniciação.
Praia ao sol a febre em mim... O mar luzindo a minha angústia na garganta... As velas ao longe e como andam na minha febre... Na febre as escadas para a praia... Calor na brisa fresca, transmarina, mare vorax, minax, mare tenebrosum- a noite escura lá longe para os argonautas e a minha testa a arder as caravelas primitivas...
Tudo é dos outros, salvo a mágoa de o não ter.
Dá a agulha a mim... Hoje faltam no seio de casa os seus passos pequenos e o não se saber onde ela está metida, tudo o que estará a lavrar com pregas, com cores, com alfinetes. Hoje as suas custuras estão fechadas para sempre em gavetas de correr na cómoda - supérfulas . e não há o calor de braços sonhados à roda do pescoço da mãe.