Domingo, 21 de Maio de 2006

As frases que nunca escreverei, as paisagens que não poderei nunca descrever, com que clareza as dito à minha inércia e as descrevo na minha meditação, quando, recostado, não pertenço, senão longiquamente, à vida.
Talho frases inteiras, perfeitas palavra a palavra, contexturas de dramas narram-se-me contruídas no espírito, sinto o movimento métrico e verbal de grandes poemas em todas as palavras e um grande entusiasmo, como um escravo que não vejo, segue-me na penumbra. Mas se der um passo, da cadeira, onde jazo estas sensações quase cumpridas, para a mesa onde queria escrevê-las, as palavras fogem, os dramas morrem, do nexo vital que uniu o murmúrio rítmico não fica mais que uma saudade longínqua, um resto de sol sobre montes afastados, um vento que ergue as folhas ao pé do limiar deserto, um parentesco nunca revelado, a orgia dos outros, a mulher, que a nossa intuição diz que olharia pra trás, e nunca chega a existir.
Projectos, tenho-os tido todos. A Ilíada que compus teve uma lógica de estrutura, uma concatenação orgância de opodos que Homero não podia conseguir. A perfeição estudada dos meus versos por completar em palavras deixa pobre a precisão de Virgílio e frouxa a força de Milton. As sátiras alegóricas que fiz excederam todas as Swift na precisão simbólica dos particulas exactamente ligados, Quantos Verlaines fui!
E sempre que me levantei da cadeira onde, na verdade, estas coisas não foram absolutamente sonhadas, tive a dupla tragédia de as saber nulas e de saber que não foram todas sonho, que alguma coisa ficou delas no limiar abstracto em eu pensar e elas serem.
Fui génio mais que nos sonhos e menos que na vida. A minha tragénia é esta. Fui o corredor que caiu quase na meta, sendo até aí o primeiro.
Segunda-feira, 8 de Maio de 2006
INTERVALO DOLOROSO
Como alguém cujos olhos, erguidos de um longo [] de um livro, receba[m] a violência para eles de um mero claro sol natural, se ergo às vezes de mim os meus olhos de ver-me dói-me e arde-me fitar a nitidez e independência-de-mim da vida claramente externa, da existência dos outros, da posição e correlação dos movimentos no espaço. Tropeço nos sentimentos reais dos outros, o antagonismo dos seus psiquismos com o meu entala-me e entaramela-me os passos, escorrego e destrambelho-me por entre e por sobre o som das suas palavras estranhas a ser ouvido em mim, o apoio forte e certo dos seus passos no chão actual, os seus gestos que existem verdadeiramente, os seus vários e complexos modos de serem outras pessoas que não variantes da minha.
Encontro-me então, nestas almas em que me precipito às vezes, desamparado e oco, parecendo que morri e vivo, pálida sombra dolorida, que a primeira brisa deitará por terra e o primeiro contacto em pó.
Pergunto então em mim próprio se valerá a pena todo o esforço que pus em me isolar e elevar, se o lento calvário que de mim fia para a minha Glória Crucificada valerá religiosamente a pena? E, ainda que saiba que valeu, pesa-me nesse momento o sentimento de que não valeu, de que não valerá nunca.